FÁBULA DE JOAN BROSSA

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Joan Brossa, poeta frugal,
que só come tomate e pão,
que sobre papel de estiva
compõe versos a carvão,
nas feiras de Barcelona,
Joan Brossa, poeta buscão,
as sete caras do dado,
as cinco patas do cão
antes buscava, Joan Brossa,
místico da aberração,
buscava encontrar nas feiras
sua poética sem-razão.
Mas porém como buscava
onde é o sol mais temporão,
pelo Clot. Hospitalet,
onde as vidas de artesão,
por bairros onde as semanas
sobram da vara do pão
e o horário é mais comprido
que fio de tecelão,
acabou vendo, Joan Brossa,
que os verbos do catalão
tinham coisas por detrás
eram só palavras, não.
Agora os olhos, Joan Brossa,
(sua trocada instalação),
voltou às coisas espessas
que a gravidez pesa ao chão
e escreveu um Dragãozinho
denso, de copa e fogão,
que combate as mercearias
com ênfase de dragão.
                                                 João Cabral de Melo Neto

                                                   extraído de Paisagens com figuras,
                                                   1956

Joan Brossa, poeta catalão, nascido em 1919 e falecido em 1998, pouco antes de completar 80 anos. Sua obra, mais conhecida a partir dos anos 70 traz muito do cotidiano, da vida nos menores detalhes. Suas composições objetuais (poemas-objetos) costumam ser de pequenas dimensões, como obras de síntese, de feitura simples, nada complicada, como se a essência estivesse perto, quase à flor da pele.(fonte: Revista Cult - fevereiro/99)




(por Dumas Seixas em homenagem a Joan Brossa, inspirado na Fábula de Joan Brossa de João Cabral de Melo Neto)


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